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O Segredo do Outro

Contam os mais velhos que, naquele tempo, Oxóssi ainda andava pelo mundo caçando. Um dia, ele encontrou um moço bem no fundo da mata virgem, completamente despido, embaixo de uma árvore enorme. Mas Oxóssi é caçador e não é dado a conversa comprida, nem muito menos a querer saber da vida dos outros. Atento aos sinais como ele só, Oxóssi viu que o moço tinha ares de nobreza. Também viu um ebó que o moço tinha depositado ao pé da árvore. No ebó, tinha as roupas e os pertences do moço. Tinha até uma faca, a única arma que o moço possuía. Esse moço era Otin.

Acontece que Otin estava ali, fugindo da civilização. Ele sempre foi arredio e não gostava de sair de casa, nem da companhia de ninguém. As pessoas viviam infernizando sua vida, criticando sua maneira de ser e numa eterna insistência para ele sair de casa, passear, fazer amizades. E não aguentando mais aquela situação, Otin resolveu partir às escondidas e se embrenhou na mata.

Tomado pelo cansaço, pela fome e pelo sono, Otin passou uma madorna debaixo da árvore. Aí, ele teve um sonho. Uma voz dizia que ele fizesse um ebó com tudo que ele carregava e oferecesse debaixo daquela árvore. Assim mesmo ele fez, ficando despossuído de tudo. Foi quando apareceu Oxóssi, o Grande Caçador, carregando várias caças abatidas.

Aí Oxóssi apanhou a faca que estava no ebó, preparou uma roupa com peles das caças que trazia, e deu ao moço para ele se vestir. Cortou pedaços de carne, fez fogo e preparou comida para ele e Otin. Depois, Oxóssi fez uma cabana e ficou uns tempos por ali, caçando. Otin resolveu, então, permanecer com ele. Oxóssi ficava calado e Otin, completamente em silêncio, observava tudo que Oxóssi fazia.

Oxóssi fazia arcos, preparava as flechas, treinava vezes sem conta, atirando em alvos difíceis. Fazia as armadilhas para pegar os bichos, preparava a comida, mantinha a cabana em ordem. Otin foi passando de simples observador a ajudante. Com o tempo, Oxóssi passou a dividir as tarefas com ele.

Quando Oxóssi percebeu que Otin já sabia fazer um bocado de coisas, partiu para outro lugar e Otin seguiu seus passos. O rapaz fino e educado, arredio, de gestos comedidos foi se transformando num verdadeiro caçador, homem da mata. E Oxóssi nunca lhe fez pergunta nenhuma sobre sua vida e por que tinha resolvido viver na mata. Nem sequer comentou nada, quando surpreendeu, um dia, Otin tomando banho num riacho. O mistério de Otin então apareceu: ele era homem, mas tinha um corpo de moça. Mais ainda: tinha quatro mamas. E isso tinha sido causa de seu sofrimento, se escondendo do mundo. Oxóssi nada disse, nada comentou, nem mostrou espanto. Aí, Otin perdeu a vergonha de ser como era, se aceitou e passou a conversar.

Um dia, Otin disse a Oxóssi que já estava pronto para seguir seus próprios caminhos. Agora, ele se conhecia e sabia lidar com os outros, porque tinha aprendido a lidar consigo mesmo. Ambos se despediram e cada um seguiu adiante, sozinho. Mas até hoje, eles se encontram de vez em quando, para caçar juntos. Por causa disso, muita gente confunde os dois como se fossem o mesmo caçador, apesar de serem tão diferentes.

Pois é: o outro deixa de ser estranho, quando é recebido naturalmente.

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